Convite à uma imersão no universo feminino de Ana Maria Machado (Bisa Bia bisa Bel)
Dando sequência às nossas indicações literárias no mês da mulher, tiramos da estante, Ana Maria Machado: Bisa Bia bisa Bel
Dentre outras premiações recebidas pela autora o livro Bisa Bia bisa Bel (1985) ganhou o prêmio de melhor livro juvenil da Fundação Nacional do Livro Infantil Juvenil (FNLIJ). Bisa Bia bisa Bel traz para o interior da literatura infanto-juvenil um debate que alimentava não apenas a ficção brasileira no período, mas também os estudos literários, dado o crescimento então da chamada Crítica Feminista, em vias de se metamorfosear em Crítica de Gênero.
A obra Bisa Bia bisa Bel abre com a descoberta, pela narradora, Bel, de uma foto da bisavó, Beatriz, foto que passa a portar consigo. Menina independente e criativa, Bel relata as andanças pela escola, amizades e interesses pessoais. Após o encontro do retrato e a incorporação desse objeto a seu cotidiano, a garota confessa igualmente as conversas com a Bisa Bia, interlocutora que passa a intervir em seu comportamento, repreendendo a narradora, que, segundo ela, deveria adotar atitudes mais compatíveis com o que entende ser a condição feminina. Do diálogo entre a bisavó e a bisneta, nasce o cotejo entre dois tempos e duas visões da mulher, a antiga e convencional, representada por Bia, e a moderna e descontraída, encarnada por Bel. Com o andar da intriga, introduz-se uma terceira perspectiva, a da Neta Beta, de quem Bel é bisavó. A voz do futuro é interpolada à narrativa, para dar conta das transformações que afetam as concepções da mulher. Assim, nenhum ponto de vista – seja o do passado, o do presente ou o do futuro – é definitivo, conclusão a que chega Bel, após a experiência tridimensional do tempo.
Assim sumariado, Bisa Bia bisa Bel é o que se poderia chamar um livro feminista, não apenas porque traduz o processo de independência da mulher ao longo da história, avançando do convencionalismo e obediência de Bia à completa autonomia e autoconfiança de Beta. Mas também porque elege um ângulo feminino para expressar essas questões, revelando como o processo de liberação nasce de dentro para fora, não por ensinamento, mas enquanto resultado das experiências vividas. É o que se passa com Bel, a menina que se transforma internamente, sem deixar de ser ela mesma, ou, em outras palavras, o que ela poderia ser, considerando as coordenadas de seu tempo.
Ana Maria Machado nasceu no Rio de Janeiro, em 1941. Sexta ocupante da Cadeira nº 1, eleita em 24 de abril de 2003, na sucessão de Evandro Lins e Silva e recebida em 29 de agosto de 2003 pelo acadêmico Tarcísio Padilha. Presidiu a Academia Brasileira de Letras em 2012 e 2013.
Escreveu mais de cem livros para crianças, publicados em dezessete países, e também obras para adultos. No ano 2000, Ana Maria recebeu o Prêmio Hans Christian Andersen, considerado o Nobel de literatura infanto-juvenil, e em 2001 ganhou nossa maior distinção literária, o Prêmio Machado de Assis, da ABL.
"Ergueu o copo com o final do vinho, brindando para si mesma:
– À audácia desta mulher, que ousa viver em campo aberto, correndo o risco da verdade. E acredita num amor latente e latejante. Implícito e vivo como um filho no ventre ou uma semente na terra.
Como um gene. Ou uma memória
– brindamos nós com ela, erguendo
esta taça de escrita e leitura, também cintilantes do por-do-sol ou do nascer do dia."
Ana Maria Machado
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